Era verão. Estava na sacada, tomando sorvete, quando viu a mulher descer do carro. Ficou atônito. Não, isso é muito pouco. Ficou boquiaberto. Ou melhor ainda, entrou naquele estado de encantamento que os americanos chamam de fall in love. Em toda a sua vida, nunca tinha sonhado sonho tão bonito. Era uma madonna pré-rafaelita, dessas que a gente só consegue encontrar em livros de arte, uma dádiva divina, uma explosão queimando retinas.
Ele chegou a pensar em miragem, o calor causa fantasias. Aquilo não podia estar acontecendo. Fechou os olhos. Pouco adiantou. Quando a luz voltou a iluminar o espaço, a beleza ainda estava lá – atravessando a rua e entrando no prédio ao lado.
Logo depois, chegou o caminhão de mudanças. Ela, vez ou outra, aparecia na janela, pedindo aos funcionários da transportadora, que tomassem cuidado com os móveis. “A cômoda foi presente de minha avó, está na família há mais de cinqüenta anos”. Embriagado por imagens da felicidade, ele pensou em ir até lá, dar boas-vindas, oferecer seus préstimos, mostrar o bairro, sei lá, vizinho é para essas coisas, “você não está precisando de uma xícara de açúcar?”, qualquer bobagem que permitisse uma aproximação rápida e eficiente. Não fez nada disso.
Muito bem: tímido, sim; bobalhão, jamais. No melhor estilo lobo em pele de cordeiro, esperou – muito menos do que planejara. Não foi difícil encontrá-la na rua, em um final de tarde. Cheio de ansiedade, com a voz trêmula, contornou os obstáculos e se apresentou. Falou que morava ali no 318, que era estudante, e que não estava acostumado com temperaturas tão elevadas como a daquele dia, quem sabe ela não aceitaria tomar um chope no botequim da esquina? Contra todos os prognósticos matemáticos para este tipo de cantada, ela aceitou. Tomaram, cada um, uns cinco ou seis. Ao voltarem para casa, na entrada do edifício em que ela morava, ele perguntou se poderia vê-la outra vez. Ela sorriu, e sem dizer uma palavra, abriu a porta e entrou. Ele passou a mão nos cabelos e atravessou a rua, assoviando.
No dia seguinte, chegou mais cedo em casa. Na sacada, ficou esperando. Depois de umas cinco horas, que jeito?, foi dormir. Teve pesadelos. Sonhou que ela estava namorando outro. Que não havia retornado porque estava em um motel. Viu os dois se beijando. Em pânico, acordou. O olhar fixo no relógio: quatro horas da manhã. A sede e a ansiedade o fizeram sair da cama. Da cozinha, foi até a sacada. Olhou para as estrelas e para o prédio ao lado. Todas as luzes apagadas. Voltou para a cama, mas não conseguiu dormir. Alguma coisa havia se rompido dentro do peito.
Pela manhã, na faculdade, sem conseguir se concentrar nas aulas, tudo lhe parecia desperdício e dor. O mundo não tinha mais sentido. Pensou em beber um caminhão de vodka – uma forma tão idiota como outra qualquer de tentar afogar as mágoas. Desistiu. Não precisava desse tipo de fuga. Ou talvez não fosse caso para tanto. Uma garrafa de vinho bastaria.
Durante a semana fez o que lhe foi possível para evitar um novo encontro. Às vezes, no meio da noite, espiava pela janela procurando por algo que nem mesmo ele sabia o que era. Esporadicamente via uma silhueta, por trás da cortina, em um jogo de luzes e sombras que só servia para aumentar ainda mais a angústia. Pensou – muitas vezes – em ir até lá para conversar, colocar as cartas na mesa. Não conseguiu romper o bloqueio e concretizar a intenção. Tinha medo de perder o que nunca lhe pertencera.
Algum tempo depois, envolto na lucidez, mudou-se para bem longe dali, para bem longe do amor.
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