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segunda-feira, 21 de março de 2011

CONVERSA DE BOTECO

Para início de conversa, é preciso saber distinguir entre conversa de boteco e conversa de bêbado.

Conversa de bêbado, como todo mundo sabe, não tem dono.

Conversa de boteco é outro departamento. É aquele momento solene − e põe solenidade nisso − que acontece todo sagrado final da tarde, quando os homens, depois do trabalho e um pouco antes de enfrentar a megera, outrora denominada “meu amorzinho”, resolvem molhar a palavra com uma cervejinha, uma cachacinha com butiá ou, Deus nos livre!, em caso de doença grave, guaraná diet.

A turma se reúne em torno de uma mesa, enquanto o tempo e as garrafas vão passando. Os fregueses mais "caseiros" bebem, no máximo, duas doses e vão embora. Os outros, raramente querem ir para casa. E isso significa que estão sempre a pedir “mais uma” – que, nas palavras do sempiterno filósofo Rogério Castro, “enquanto houver espírito de luta e perseverança será sempre a antepenúltima”.

Nesse clima de amizade e descontração, a conversa rola leve e solta, sem compromissos com o relógio. Depois dos inevitáveis comentários sobre futebol, dinheiro e as desgraças do noticiário, alguém sempre acaba contando uma história de mulher. Perdão, mulher em conversa de boteco nunca é apenas “mulher”. “Mulher” é a dos outros, as feias ou aquelas que a gente tem que agüentar em casa e não consegue trocar por duas de 20 anos. Mulher de conversa de mesa de bar é “mulherão”, banquete para 500 talheres, pôster central da Playboy, no mínimo.

Semana passada, Honório contou o caso da mulher do aviador. Aviador? Sim, mas, para evitar confusões desnecessárias, vamos logo esclarecendo o básico: era aviador de receitas óticas. O único “avião” que entra nesta história é a sua esposa.

Pois é, o marido de Claudinha era aviador de óculos. De tanto ajudar no conserto da visão dos outros, Heládio, esse era o nome do corno, acabou esquecendo que deveria olhar com mais atenção para dentro da própria casa. Parte desse descuido se explica pelo “fundo de garrafa” que ele precisava usar, sem o qual não enxergava um palmo diante do nariz. 

Aproveitando essa falta de visão, metade da população masculina da cidade provou de intimidades com a esposa de Heládio – inclusive o padeiro, que era suspeito de não gostar de “pegar na massa”.

Tudo ia muito bem, até uma tarde de agosto. Heládio estava comprando um imóvel. No cartório, lembrou que havia esquecido alguns documentos em casa. Dois segundos após abrir a porta, ele (que era quase cego, mas compensava a deficiência com excelente audição) ouviu tortuosos acordes da sinfonia do amor. Claudinha estava na cama – com outro!

Almas mais sensíveis provavelmente pensarão que essa história tem “cheiro de tragédia”. Nada disso. Ao entrar em casa, Heládio derrubou várias cadeiras na cozinha. Com esse barulhão, avisou ao casal que estava na hora de fazer um pequeno intervalo na festinha. Para evitar visões inconvenientes, deixou os óculos em cima da mesa e foi até o quarto beijar a esposinha amada. O amante, que estava em trajes de Adão, e naquela situação nada podia fazer para evitar o clichê, escondeu-se embaixo da cama.

Heládio explicou para Claudinha a visita inoportuna, pegou na gaveta da mesinha de cabeceira o envelope com os documentos e disse: “Você anda muito cansada, meu amor. Continue deitada, você precisa recuperar as energias”. E foi embora. O amante, que não havia perdido as energias, voltou para cima da cama e... Por favor, não sejamos indiscretos.

Resumo da ópera: Heládio, que nunca mais apareceu em casa durante a tarde, está cada vez mais apaixonado por Claudia. Quem conhece o casal diz que eles são felizes.

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