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quinta-feira, 3 de março de 2011

SEPARATISMO


Pois um dia os tauras que viviam ao sul do Brasil se reuniram no interior do Centro de Tradições Gaúchas Martinho da Vila e decidiram, mais uma vez, decretar a independência da Pampa. Não era mais possível continuar carregando o Brasil nas costas. “Que se virem! E sozinhos!”, afirmou Maneco Beterraba, o líder da tropa, ops!, da Junta... Provisória de Governo. Em seguida, convocou o ministério para discutir importantes assuntos de Estado.

Para inicio de conversa, era necessário encontrar um nome para a nova nação. Essa história de Rio Grande não convencia mais ninguém. O Pelotas, o Guaiba e o Uruguai estão cada vez mais ralos (apesar das enchentezinhas alegrarem as pupilas gaudérias!). Então, que nome adotar? Depois de muita discussão, mais por cansaço do que por consenso, decretaram que o novo país seria denominado República Popular e Democrática dos Farrapos.

Por motivos políticos e sociológicos, além de respeito pelas tradições, outorgaram ao Leonel de Moura Brizola a presidência de honra da nação – inclusive por medo do caudilho ressuscitar, caso sentisse alguma desfeita dos bu(r)rocratas que governavam a capital federal, ou seja, de Sant’Antão da Querência Idolatrada. Os chirus administrativos decidiram construir uma nova capital, crentes que a­pós-a­modernidade e as propinas fornecidas pelas empreiteiras garantiriam o progresso regional. O projeto arquitetônico (elaborado por um sujeito macanudo, desses que usam chapéu de beijar santo em parede, além de bombacha folgada – gaúcho que é gaúcho não fica “inlhado” nas partes principais) determinava grandes novidades na reforma urbana: estacionamento para as montarias, cocho para a animália beber água, um confortável barranco, ...

A Câmara e o Senado se reuniam em volta do fogo de chão, sentados ou deitados em alguns pelegos. Os discursos eram empolgados e ufanistas. Telefones celulares tocavam ininterruptamente os hinos do Grêmio e do Internacional. O mate corria de mão em mão, sem parar. Alguns deputados (alter)nativos bebiam d’água que passarinho não bebe, em uma guampa imensa (e isso, a guampa, fazia a indiada mais nova ficar de sobreaviso, pois a mui digníssima e prendada esposa de Manéco Beterraba, isto é, o Protetor Perpétuo e Plenipotenciário da República, D. Eufrasina, tinha muito gosto em trocar humores e fluídos com a gurizada).

O Congresso decidiu acatar a proposta de criação de uma nova moeda, que seria adotada em todo o território nacional, isto é, do Chuí até o Continente das Vacarias, passando por Santa Maria da Boca do Monte, a província de Uruguaiana e adjacências. O responsável pelos Assuntos Pecuniários, Pedro Charco (também conhecido, lá pelas redondezas do Capão dos Brutos, por Margô), elaborou a estrutura monetária do “Tchê”, que valeria uns 10 dólares para inicio de conversa.

Entre outros assuntos de suma importância abordados pelos representantes do povo, destacaram-se a adoção de um hino e de uma bandeira. A versão campeira do “virundum” ficou por conta do Grupo Tradicionalista Churrio no Garrão. Milonga mui linda, especial de primeira. E depois o disco estava encalhado mesmo. “Bámos adestribuí prás iscóla e repertição púbrica”, explicava didaticamente o Ministro da Educação, Severo Frouxo. O que ele não explicava para o populacho é que estava calculando mentalmente a quantia que iria lucrar com essa idéia fantástica. “Mais adespois, quando forgá o guvernú, a gente faiz um fandango e chama os gaitero prá abrilhantá o entrevero e, de quebra, forrá o peçuelo”. A bandeira foi feita de um pedaço de lona, cortada a facão e com uns desenhos “bem baitas” que representavam uma enxada e uma cuia de mate, símbolos da tradição campesina.

No intervalo das sessões parlamentares sempre era servido um churrasquito. Delícia para gringo nenhum colocar defeito. Um pedaço sanguinolento de costela bovina (sem o selo de inspeção sanitária, é claro!), pendurada entre um pedaço de madeira suja e dois dedos de sal grosso (oigalê, até o sal é grosso!). A manada, perdão, os representantes do povo se pinchavam no quitute até não querer mais. Depois, lambiam os dedos e os bigodes engordurados.

Uma vez, no período da tarde, depois da sesta, quando os trabalhos estavam sendo reiniciados, o ministro dos Esportes exigiu a palavra, e empolgado pelo último Rodeio da Vacaria, lançou a candidatura da República Farrapa como sede da Olimpíada de 2020. Garantiu que a nação tinha plenas condições de conquistar medalha de ouro em diversas modalidades (cuspe em distância, torneio de laço com vaca parada, gineteada em touro mecânico, salto triplo em bosta de vaca, chula artística, etc.).

E assim o país ia se ajeitando. Quer dizer, até que um dia o Manéco Beterraba acordou de porre (uma canha amarelinha, da boa!, importada de Luís Alves, no Brasil) e, desgostoso pelo projeto de reeleição não ter sido aprovado pelo Congresso, decidiu que não queria brincar mais. Assim, usando das prerrogativas de todos os seus cargos (patrão do Grupo de Estudos Sou Macho Barbaridade, sacristão da igreja de são Sepé Tiaraju, etc.), decretou a dissolução total da República. Em seguida, alugou um motor-home, e na companhia do cachorro, da amante, dos filhos e, infelizmente, da esposa, invadiu as praias de Santa Catarina.

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