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sexta-feira, 11 de março de 2011

LONDON, LONDON

Quando ele percebeu, estava perdido. Perdido no centro de Londres, capital da Inglaterra. Não nos cabe discutir aqui o que aquele catarina estava fazendo na esquina entre a Regent Street e a Oxford Street, mas a verdade é que ele não sabia mais do que meia dúzia de palavras em inglês e estava perdido no centro de Londres.

Ao analisar a situação, repassou as instruções básicas sobre o que fazer naquele momento. A primeira foi piece of cake!: manter a calma. Depois, recapitulou as três expressões básicas da polite british education: excuse me (com licença), sorry  (desculpe) e thank you (obrigado).

Provavelmente não seria o primeiro, e nem o último, a ficar sem fôlego e desorientado naquelas ruas. Mas, quem é que disse que é necessário andar com bússola ou mapa no bolso? O chato é que as lojas pareciam todas iguais, os ônibus de dois andares passando rápidos como cometas, o andar neurótico dos transeuntes (homens, mulheres, negros, indianos, chineses, jovens, velhos, muitos velhos e seus cachorrinhos), uma imensidão de gente engolindo a angústia.

E ele ali, parado, perdido, fazendo pose, no melhor estilo caetanear, escandindo alguma coisa do tipo I know I know no one here to say hello (Eu sei, eu sei que não há alguém para dizer alô). E, no mesmo ritmo, continuou a cantar I am lonely in London without fear (Estou sozinho em Londres, sem medo), essas bobagens de brasileiro no exílio – mesmo que temporário, alguns dias, uma saudade imensa batendo dentro do peito.

Pensou em gritar help (ou o equivalente) o mais alto possível. Desistiu. No máximo seria considerado apenas mais um desses estrangeiros malucos que vivem a mendigar pelas ruas da capital do Império Britânico. Imagine o vexame: prestar depoimento na delegacia mais próxima, acusado de perturbar a paz! Não, isso é que não iria acontecer.

Por isso, entrou em uma loja de discos. Uns trinta minutos mais tarde, saiu com uma sacola cheia de CDs de jazz. Claro, o problema ainda existia, mas a alma estava mais leve – e, verdade seja dita, pela vida afora ele nunca conseguiu resistir aos apelos do coração. As compras foram feitas, of course, na base do grunhido e do dedometro – a vendedora incrédula, sem entender quase nada, sem saber se devia pegar a nota de 50 libras que lhe estava sendo estendida, enquanto ouvia uma voz gutural tentar pronunciar algo que, com muito esforço, talvez significasse I wish pay for this records.

“Tudo bem, vou pedir ajuda ao primeiro policial que encontrar”, declarou, enfático, para si mesmo, tão logo ganhou a rua novamente. Olhou para o relógio e descobriu que, para variar, estava mais uma vez atrasado. Naquele ritmo jamais chegaria até a Charing Cross Road no horário marcado. Mas, meu são Bom Jesus de Iguape, para que lado do mundo ficava “a rua das livrarias”?

De repente, uma luz no final do túnel: dentro de um uniforme de polícia, um armário ambulante em movimento. Um armário feminino. “Faz parte”, sussurrou.

Simultaneamente, criou coragem para interceptar o “passo de ganso” da autoridade.

– Excuse me. Please, I need help. I lost. I need to go for Charing Cross.

A policial pareceu não ter entendido o accent e/ou os deslizes gramaticais. Ficou parada, sem mexer sequer um músculo da face. Para ele, foi um instante de pavor. Repetiu, trêmulo, o pedido de socorro.

O que aconteceu em seguida foi maluco. Como se alguém tivesse colocado pilha nova na máquina, a policial começou a falar. Praticamente fez um discurso. Ele não entendeu quase nada. E, constrangido, balbuciou a pior de todas as frases que se pode pronunciar nas ruas de Londres.

– Sorry, I do not speak english!

Isso não foi o suficiente para que se estabelecesse alguma ordem naquela bagunça. A policial ficou quieta, compenetrada, como se estivesse de volta aos bancos escolares − tentando resolver uma equação matemática. No entanto, o problema maior era o dele: precisava ir rápido para Charing Cross. Com esforço, repetiu a cantilena:

– Please, help me. I need to go to Charing Cross.

Desta vez a policial pronunciou apenas uma palavra:

 – Station?

Não, ele não queria ir para a estação do metrô. Quer dizer, ele estava confuso; afinal a estação de Charing Cross fica... na rua Charing Cross! Mesmo assim, respondeu:

– No! I need to go to Charing Cross Street!

– Street?

– Yes, I need go to “bookshop’s street”!

Rua da livraria? Um brilho de perplexidade atravessou o olhar da inglesa. “Esses estrangeiros são loucos”, deve ter pensado. Instintivamente levantou o braço e apontou na direção sul. Foi mágico. Quer dizer, estabeleceu-se a comunicação. Ele respirou fundo e sentiu a grandeza do mundo.

– Thank you!

E no melhor estilo polite, a policial respondeu:

– You are welcome!

Mas, isso ele não ouviu. Depois de esbarrar em um adolescente que estava ignorando o mundo ao seu redor, começou a correr na direção apontada como se estivesse indo salvar o pai da forca. A policial ficou olhando o sprint, como se estivesse vendo disco voador ou alguma coisa muito pior.

Uns quinze minutos mais tarde, em frente da W & G Foyle Ltd (The word’s greatest bookshop – stock of over five million volumes), ele se sentiu em casa! Pensou na bronca que iria levar pelo atraso, mas lembrou que essas coisas de cumprir horário não eram exatamente a sua melhor qualidade. Então, entrou na livraria, encontrou a mulher amada e sentiu o sabor da felicidade. 

5 comentários:

  1. de quê Raul? Que sabor? É uma novelinha? Tudo bem. Tbém és catarinense ou só a personagem?
    Sou catarinense e amo escrever, nunca parei desde meus 7 anos e tenho muita coisa inédita...
    Quem sabe comece agora pra valer pq sempre publiquei alguma coisa. Gostei do seu estilo
    descritivo tipo suspense q nos impulsiona a não parar, despertando a curiosidade, até a proxima. Marlene Vieira Perez

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  2. Marlene: Sou catarinense. E obrigado por tuas palavras generosas!

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  3. Quanto a comentário novo ou em sequência, o texto não suporta, sustenta ainda, sim, uma avaliação a partir de uma análise detalhada, do nível de linguagem, a sutileza
    do coloquial com uma só personagem
    inesperada de ocasião, que aqui, na verdade, não comporta. Marlene Vieira Perez

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  4. Raul, meu conterrâneo e amante das letras,da sina dos sofridos artistas em busca do seu lugar ao Sol, quando tanta matéria de qualidade duvidosa é publicada, às vzs até premiada. Parabenizo-te pela idéia e estilo originais e espero te encontrar por aqui em algum grupo para balançar a rede e
    deixar cair o peixe. Até lá. - Marlene Vieira Perez

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