Recordar nem sempre é passeio tranquilo. Tesouros e esqueletos
abandonados costumam aparecer inesperadamente. Esta manhã, duplamente isolado
do mundo objetivo (chuva, quarentena), me lembrei de uma rápida viagem de
trabalho, em 2013.
Naquela época, os funcionários da
Comunicação Social da Prefeitura estavam divididos em áreas de trabalho. Um dos meus vínculos era a Secretaria da Agricultura. Não sei
plantar uma alface, mas isso nunca foi impedimento, o jornalismo é famoso
exatamente por improvisar (e errar) sempre que necessário.
Talvez tenha sido essa a fase mais
divertida em mais de trinta anos de trabalho como funcionário público. O
principal motivo é que parte do serviço era feito fora da redação. Para poder
divulgar as atividades da Secretaria precisei estar presente em reuniões em
diversas localidades do interior e em inspeções de estradas e pontes, visitei o
horto e hortas (comunitárias e escolares), estive em palestras sobre assuntos que
nunca imaginei existirem. Foi um período de aprendizado.
Em contrapartida, gastei algum dinheiro
com relaxante muscular – o corpo, mal acostumado com poltronas e cadeiras ergométricas,
doía nos finais de tarde. Muitas das viagens foram feitas em caminhões e/ou
carros em péssimas condições de conforto. Cada um desses momentos era ponto de
partida para manifestações de mau humor e séries infindáveis de palavrões – sem
isso a brincadeira perdia a graça.
Descobri na prática que eram reais os lugares
que faziam parte da ficção cartográfica descrita nas histórias que meus pais e meus
avós contavam: Cadeados, Três Árvores, Gramados, São Jorge, Macacos, Índios,
Vigia, Escurinho, Bodegão.
O ápice dessas aventuras ocorreu quando
estive em Morrinhos. Meu avô teve uma pequena propriedade, na região situada nos fundos da
Igreja. Foi lá que vivi dos cinco aos sete anos. Minha avó, que era professora
de catequese, ao descobrir que o neto não conhecia algumas histórias bíblicas,
tratou de me alfabetizar na primeira oportunidade. Foi na cozinha, na mesa que
estava um pouco afastada do fogão de lenha, que aprendi as primeiras letras –
foi mágico ver as palavras surgirem em um daqueles cadernos de caligrafia que
não existem mais. Também foi ela que me deu os primeiros livros, umas
hagiografias (que perdi em alguma das tempestades que ocorreram alguns anos
depois).
Tudo lá está mudado, não reconheci o
lugar, exceto a igreja – que parece imutável. Ao lado, onde deveria (na minha
memoria) existir um salão de festas, há uma escola. Talvez tenham adaptado as
construções. Ou derrubado uma e construído a outra. O que sei é que, na minha
memória, era diferente.
Contra todas as probabilidades,
encontrei um ex-colega do Colégio Industrial e que não via a mais de dez anos.
Professor da Escola Itinerante. Estava tomando café. Conversamos rapidamente.
Ele precisava voltar para a sala de aula; eu, para o caminhão que estava
levando a equipe da Comunicação Social para São Jorge.
Quando Morrinhos ficou para trás, não
consegui evitar um último olhar, uma espécie de até breve com sabor de adeus. Infelizmente, ainda não consegui revisitar o lugar. Talvez depois da pandemia, talvez depois que eu me aposentar (daqui uns dois anos).
Quando voltamos para a cidade, no final
da tarde, o motorista optou por outra estrada.
(As fotos são do Sandro Schuermann e do Antônio Vieira).
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