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sexta-feira, 12 de junho de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (LXXXII)


Jacques-Louis David. La mort de Socrate, 1787


Em situações-limites, como a que estamos vivendo atualmente (Covid-19, governo desgovernado), o sujeito começa a ter ideias mórbidas, uns surtos de depressão, horrores faiscando na mente, a sensação de que os filósofos estão sendo obrigados a beber cicuta.

De forma inescapável, a pandemia sócio-político-sanitária resulta, muitas vezes, em dramas gregos (aqueles horrores antigos onde todo mundo comia todo mundo e gozar sempre estava acompanhado da culpa). 

Será possível converter esses arrebatamentos passionais em matéria-prima para a literatura – ignorando os desvios propostos pela psicanálise, essa religião sem substância? 

Contra os descrentes, há que se tentar obter textos de excelente qualidade, biscoitos finos da modernidade, pedras preciosas entre cascalhos, adjetivos insuficientes nesse garimpar de lugares comuns. 

De acordo com as leis vigentes, não se deve abdicar do prazer de descobrir escritores que estão escondidos em nevoeiros ou em editoras menores.   

Diante da fantasia de abutre que as Moiras (Cloto, Láquesis, Átropos) estão usando nesse carnaval fora de época, alguém sussurra: Te acalma, minha loucura, ainda é cedo para redigir testamento. 

Pobre-pobre-de-marré-de-si, faltam bens (e males) para incluir nas declarações de renda e, hallellujah, sobra vontade de viver. 

É mais doce naufragar em Sonhos de Valsa do que ser contaminado pelo desespero. 

Os vaticínios de Delfos continuam válidos – nem que seja para arriscar uns trocados nas dezenas da águia ou do gato. 

Dormir sem medo e acordar cheio de energia. Encenar pantomimas de Sísifo: repetir tudo aquilo que se fez ontem e que se fará amanhã, esforço hercúleo para que os dias se tornem desiguais e se possa abraçar a surpresa – mesmo quando imperceptível.

Michelangelo Merisi da Caravaggio. Medusa, 1595-1598

Ninguém sabe se esses delírios mitológicos estão sendo transmitidos ao vivo e em cores pelos espaços virtuais (virais). 

De domínio público, sabe-se que a Medusa desponta como a rainha da confusão toda. Precisa-se tentar desviar o olhos dos monstros. A todo instante, o risco de ser transformado em estátua de pedra – ou, em outra leitura, de sal. José Saramago (1922-2010) advertiu: (...) sai-se pela porta fora, sem olhar para trás, olhar para trás é risco tremendo, pode a pessoa transformar-se em sal e ficar ali à mercê da primeira chuva.

Por isso cuidado meu bem / há perigo na esquina, as armadilhas se multiplicam em progressão geométrica, nem sempre se consegue caetanear o que há de bom. Fazer o quê? Ninguém sabe. Será que isso tem alguma importância? Em caso afirmativo, talvez se deva ver com outros olhos, os olhos do Outro, daquele que, no lado oposto do espelho, fornece complementariedade ao que somos – ou imaginamos ser.

É tolo programar a existência não sendo dono nem mesmo do amanhã, escreveu Lucius Annaeus Seneca (4 a. C – 65 d. C). Por isso, e milhares de outros motivos, sem se importar se é dia de sol ou de chuva, a lição de Quintus Horatius Flaccus (65 a. C – 8 a. C) se impõe: carpe diem quam minimun credula postero (aproveite o dia, sem se importar com o amanhã).   

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