Amanhã, exatamente às 18h44, começa o
inverno. Não sei se estou preparado para esse encontro climatológico. Inclusive
porque o Brasil está envolto em brumas confusas. Um funcionário do governo trocou
o Equador de lugar e isso talvez tenha afetado o Trópico de Capricórnio.
Conta a lenda grega que Hades (deus do
mundo interior e dos mortos) raptou Perséfone, filha de Deméter (deusa da
fertilidade e da agricultura) e de Zeus (senhor do Olimpo). Desolada, Deméter
começou a chorar – o que causou alagamentos, enchentes e tempestades. O mundo se
tornou sombrio. Os homens, ao ver que as plantações estavam sendo
destruídas e que a fome estava se aproximando, exigiram que Zeus resolvesse o conflito.
Deméter queria a volta da filha. Depois de muitas complicações, eles chegaram a
um acordo. Perséfone voltou, mas só por seis meses. No resto do ano, fica com
Hades. Quando Deméter está com a filha, o período de alegria é chamado de
primavera e verão. Quando Perséfone está com Hades, o período de tristeza é chamado
de outono e inverno.
O frio exige que o indivíduo utilize uma
espécie de armadura: camisas de flanela, casacos, cachecóis, luvas, meias
grossas e botas. O uso de bonés, gorros e chapéus é opcional (mas as baixas
temperaturas não podem servir de desculpa para a falta de elegância). Essas roupas
de combate, por sua vez, possuem dupla finalidade. A primeira, não deixar que os
corpos congelem. A segunda, encenar um ritual de sedução. O ato de despir – lentamente
– peça por peça vai revelando contornos e surpresas. O desejo, ampliado pelo
que estava oculto, fica mais intenso.
Não existe calefação no Planalto
Catarinense. Nas cidades, a urbanização desenfreada e os condomínios verticais
contribuíram para que os fogões de lenha e as lareiras se transformassem em
lembranças de um tempo que foi tragado pelo nevoeiro. Também desapareceram os
pelegos e as cobertas de pena. Esses símbolos de um modo de vida foram substituídos por artigos industrializados
em terras distantes, fábricas e lugares que desconhecem aqueles que comprarão
os produtos postos à venda.
Nas manhãs em que as temperaturas
costumam alcançar vários graus negativos, a geada e a neve modificam a paisagem.
Lâminas de gelo substituem o verde dos campos. A respiração das pessoas e dos
animais quase se solidifica. O inóspito se instala.
Café, chimarrão, chocolate quente, chá, quentão,
ponche, vinho – dependendo do gosto e do freguês, há bebidas para todos. No
entanto, ninguém pode negar que um martelinho daquela que matou o guarda têm o
seu valor. Desce queimando. O resto não pode ser descrito com palavras, porque
ainda não inventaram uma forma de nomear esse calorão.
A quarentena adiou as festas de são João.
Possivelmente, alguém encomendará pelo telefone uma meia dúzia de paçoquinhas,
uns pés-de-moleque, algumas espigas de milho verde e junto com pipoca de
micro-onda fingirão que esse tipo de encenação é sinônimo de felicidade. Talvez seja servido canjica e arroz-doce. Transmissões via whatsup para algum parente próximo
podem acontecer.
Winter is coming. O lema da casa Stark
deixará de ser uma promessa. Durante mais três meses a ausência de Perséfone
entristecerá Deméter. Aos mortais nada mais restará senão aquecer o corpo com
sopas diversas e pinhão assado na chapa. E esperar, esperar, esperar.
Gosto do frio! Acho as pessoas mais elegantes!Desconhecia o mito do inverno grego.
ResponderExcluirAbraço!