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quarta-feira, 24 de junho de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (XCIV)


Sujei a camiseta com chocolate e a Rede Globo deixou de existir na minha televisão. Não sei que relação poderia existir entre estes dois fatos. Se estivesse na Grécia, consultaria o Oráculo em Delfos. No momento, isso é impossível. Estou residindo no interior de Santa Catarina. E Madame Rosa, a mais celebre das pitonisas do vilarejo, partiu para a outra dimensão faz alguns anos.

Órfão de quem poderia fornecer uma chave de interpretação ou transformar tudo em alguns números (o jogo do bicho e a quina se apresentam como opções lúdicas), só me restou jogar a camiseta no cesto de roupa suja e esperar que alguma mágica aconteça e o canal volte a ser sintonizado. Por enquanto, só consigo ver um aviso na tela: sem sinal. 

Minha relação com as emissoras de televisão está se distanciando velozmente. Assisto aos noticiários nos canais abertos e, esporadicamente, algum filme no meio da madrugada – quando a insônia resolve aparecer. No resto do tempo, essa Esfinge a-pós-a-moderna-idade fica quietinha, lá no seu canto.



Nem sempre foi assim. No final dos anos 60, inicio dos anos 70, só era possível sintonizar um canal de televisão: a TV Gaúcha, de Porto Alegre. Minha família costumava ir, no domingo à noite, jantar na casa de um dos irmãos do meu pai (ficava perto). Depois da refeição, era permitido assistir dois clássicos da época: o Show do Gordo e o Ringue Doze Marinha Magazine. Os mais novos suportavam o programa de calouros porque logo depois tinha as lutas de telecatch. Todo mundo torcendo pelo Ted Boy Marino.

Algum tempo depois, a TV Coligadas (Blumenau) entrou no ar. Quando mudamos para a região do Aeroporto Velho, meu pai comprou um televisor no crediário, incontáveis prestações. Foi esse aparelho que levei comigo quando fui morar no sótão da casa de minha avó, logo depois da Grande Tragédia Familiar, em 1972.

O episódio que causou maior confusão, nessa época, foi a noite que passei em claro para assistir “Cidadão Kane” (Dir. Orson Welles, 1941), filme que “todo mundo” considerava como obra de arte. Baixei o som o máximo possível e fiquei próximo do televisor. Fui dormir lá pelas quatro da madrugada. Minha avó, que tinha sono leve, ficou furiosa e, pela manhã, ao me acordar para ir à escola, não economizou no sermão! Precisei rezar uma dúzia de Ave Marias e Pai Nossos para tentar ser perdoado. O mais maluco disso tudo é que não entendi o filme e nem aquela história do botão de rosa (rosebud). Ah, dormi na aula.



Quando voltei a morar com minha mãe, a televisão ficava ligada o dia todo e a novela das oito era o momento em que o mundo parava para tomar a dose diária de anestésico romântico.  

Depois, fui desapegando, a literatura e o cinema se tornaram mais importantes. Preferi alugar filmes a assistir o lixo comercial que se tornou regra geral nas televisões abertas.

Tentei a televisão a cabo duas vezes. Conclui que não vale o dinheiro investido.


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