A velhice é território maldito. A consciência
de que a vida está se extinguindo causa danos irreversíveis. Nem todos os
atingidos por essa fatalidade reagem de maneira satisfatória. Os herdeiros são os primeiros que enlouquecem.
Muitas histórias podem ser contadas a partir
da velhice. As mais banais costumam relacionar essa fase da vida com a experiência,
a generosidade e a submissão. Simultaneamente, todos os seres humanos costumam
fantasiar pais e mães, tias e tios, avós e avôs como pessoas sem máculas, sem defeitos, exemplos
de bondade e carinho. Na vida “real”, nem
sempre é assim. A idade cronológica não costuma eliminar os defeitos, as
idiossincrasias e os desvios de caráter.
A idade está relacionada com centenas de
doenças, complicações amorosas, diversos graus de violência, incontáveis
acidentes e decepções que se somam com outras decepções. Quando se alcança a melhor
idade (que é a forma com que os cínicos definem a velhice), resta viver com a
aposentaria ridícula, algumas histórias amargas, milhares de ressentimentos e a
solidão – protagonizada pelo abandono parental.
Foi com o propósito de mapear algumas
situações relacionadas com a decomposição física e intelectual de pessoas com
mais de 65 anos que Alê Motta escreveu os 30 contos curtos que compõem Velhos (São Paulo: Reformatório, 2020). Algumas dessas histórias são tristes porque insinuam
que o isolamento afetivo tem parentesco com a morte. Em paralelo, há outras situações
e outros sentimentos. A personagem que se arruma para ir ao shopping e
conversar com qualquer desconhecido ilustra um movimento de resistência: Só
volto para casa quando me sinto feliz.
Quem tem alguma afinidade com o tema
provavelmente vai se lembrar de Memento Mori (São Paulo: Companhia das
Letras, 2001), o estranho e engraçado romance de Muriel Sparks. Nesse livro, os
personagens (quase todos na faixa dos 70, 80 anos) se recusam a ficar esperando pelo momento em que tudo termina.
Preferem se comportar como adolescentes mal-educados. Na primeira oportunidade mentem, traem, roubam e tentam machucar uns aos outros. Se não estivessem tão
perto da morte, poder-se-ia dizer que estão lutando pela vida. Desesperadamente.
Os personagens de Alê Motta não são tão
radicais. Eles estão em outra escala. As inquietudes são mais
sutis. Por isso, muitas das situações não apresentam novidades. A ideia é facilitar
a compreensão e permitir que o leitor reconheça nessas histórias o caso de algum parente ou
vizinho – ou, talvez, em mergulho crítico, projete o próprio futuro.
Diversos contos apresentam o humor como
uma espécie de válvula de escape para o traumático. Isso não quer dizer que os
personagens são edulcorados e que há ambição de que tudo termine bem. Ao contrário,
diversas narrativas revelam a desesperança, o passado opressor e o grotesco. A crueldade
dos parentes (filhos, sobrinhos, genros e noras) aparece em cena com frequência. Sentimentos são moídos rapidamente por interesses pouco claros. Não há remédio que cure mágoas e dores.
O que está explicito em Velhos é
relativamente simples e pode, salvaguardando as exceções, ser resumido no desfecho de um dos melhores contos
do livro: não tenho mais paciência para esse papel de velhinho bom. Qualquer hora
eu toco o terror nessa casa.
Lendo seu texto, lembrei de um filme protagonizado pelo Clint Eastwood, onde o vovô virá um traficante muito procurado. Gostei desse filme. Gostei do texto!
ResponderExcluirO que é a velhice? Lembrei do livro do Bobbio
ResponderExcluir